Mofo cinzento (Botrytis cinerea) e outras doenças ocorrentes em flores de Cannabis sativa

Mofo cinzento (Botrytis cinerea) e outras doenças ocorrentes em flores de Cannabis sativa, por Vítor Grower

A sanidade e produtividade das plantas cultivadas são dependentes de vários fatores e nesse aspecto, as doenças merecem a atenção dos cultivadores. Diversos patógenos podem interferir e prejudicar nos processos fisiológicos da planta, desde a absorção e translocação de água e nutrientes pelos vasos condutores a doenças que influenciam na fotossíntese.    

Não diferentemente da cadeia produtiva de outras espécies vegetais, um dos maiores desafios para os produtores de Cannabis sativa é o manejo de doenças ocorrentes em raízes, caule, folhas e inflorescências. Nesse sentido, o mofo cinzento, causado pelo fungo Botrytis cinerea é um dos principais problemas fitossanitários da cannabis e também de outras plantas.

É válido ressaltar que o gênero Botrytis contém 38 espécies, que se diferem na biologia, morfologia e círculo de hospedeiras, entretanto podem ser distinguidas usando técnicas morfológicas e moleculares. 

O Botrytis cinerea é a espécie mais polífaga (infecta várias espécies vegetais) e cosmopolita (patógeno presente em vários continentes e países) causando mofo cinzento em mais de 200 espécies vegetais, inclusive em Cannabis sativa e sua ocorrência é bastante predominante em estufas (Figura 1).  Este fungo pode causar danos tanto em estádios vegetativos e de floração quanto em pós-colheita, sendo frequente em secagem e armazenamento de flores. 

O que você vai encontrar aqui:

Mofo cinzento

As características gerais e condições ideais do desenvolvimento de Botrytis cinerea são:

  • germinação dos esporos (conídios) favorecida por temperaturas variando de 22 a 25° C e umidade relativa em torno de 90 a 100 %;
  • geralmente em condições ideais, a germinação ocorre por volta de 3 horas após a aderência do esporo no tecido vegetal;
  • após a germinação, a infecção e desenvolvimento do fungo são favorecidos pela temperatura oscilando de 15 – 25° C;
  • o crescimento do B. cinerea é rápido, onde há a colonização dos tecidos e posterior reprodução (conidióforos e conídios – esporulação), intensificando a disseminação de esporos para tecidos vegetais adjacentes e plantas próximas aos focos do inóculo inicial;
  • a presença de ferimentos nos órgãos vegetais aumenta a possibilidade de infecção;
  • o patógeno pode sobreviver no solo ou matéria orgânica em forma de estruturas de sobrevivência (escleródios) (Figura 3).  
Mofo cinzento
Figura 1. Mofo cinzento (Botrytis cinerea) infectando: (A): uva (Vitis sp.); (B): morango (Fragaria spp); (C): cannabis (Cannabis sativa). Créditos de imagem: Dr Jeremy Burgess – Science Photo Librar; Edward Sikora – Auburn University; Grasscity – Philosopher seeds. 

Os sintomas característicos de mofo cinzento geralmente iniciam nas folhas, no caso específico da cannabis, nas brácteas (folhas adjacentes às inflorescências). Os sintomas em folhas são caracterizados por pequenas manchas necróticas marrons ao redor das nervuras e lesões marrons em formato de “U ou V” nas margens das lâminas foliares.

Quanto aos sintomas nas flores, ocorre a podridão de partes ou de toda a inflorescência, acompanhada por esporulação de coloração cinza. As inflorescências infectadas apresentam necrose castanho-amarelada a castanho-escuro, frequentemente com infecção dos tecidos internos (aspecto de flores com lesões deprimidas) e presença de massa branca a marrom claro-escuro (sinais/estruturas do patógeno – micélio, conidiofóros e conídios) (Figuras 2 e 3). 

Mofo cinzento
Figura 2. Mofo cinzento em inflorescências de Cannabis sativa. (A): sintoma característico em bráctea (folha unifoliada adjacente às inflorescências); (B): várias brácteas com amarelecimento típico de sintoma inicial do mofo; (C): inflorescências apresentando áreas necróticas; (D e E): infecção avançada de várias inflorescências, apresentando coloração marrom-claro, com significativa massa micelial de B. cinerea; (F e G): esporulação de B. cinerea em tecidos florais; (H e J): o fungo causando cancro em caule e em ramificação lateral.

*Os sintomas foram avaliados 7 e 14 dias após a inoculação do patógeno. 

*As strains de cannabis utilizadas foram: Hash Plant® – Sensi Seeds (90% Indica); White Rhino® – Green House Seeds (80% Indica); Island Honey® – Pure Sanfarms (predominantemente Sativa); e Pink Kush® – Barney´s Farm (80% Indica). As quatro strains são suscetíveis ao Botrytis cinerea, inclusive são comumente relatadas apresentando alta incidência e severidade da doença em cultivos comerciais. Créditos de imagem: Punja & Li Ni, 2021.

Mofo cinzento
Figura 3. Estruturas reprodutivas do patógeno e lesões foliares. (F e G): Micrografias eletrônicas de varredura (MEV) de conidióforos e conídios de B. cinerea; (H e I): Lesões em folhas causadas por B. cinerea. Créditos de imagem: Punja et al. 2019.

É indiscutível que o principal patógeno causador da “podridão de flores/buds” é o Botrytis cinerea, sendo ele o mais agressivo e frequente na cultura da cannabis, porém outros fungos como Penicillium sp. e Cladosporium sp. também podem ser relevantes e causarem podridões nas flores em pré e pós-colheita.

É comum que a inflorescência possa ter a presença de uma “associação de fungos”, ocorrendo um “complexo” de microrganismos fitopatogêninos infectando os buds. Na figura 4, é possível visualizar vários esporos de diferentes fungos aderidos nos tricomas glandulares das plantas, gerando comprometimento da função glandular e consequente produção de resina (canabinóides, terpenos, entre outros metabólitos secundários). 

Mofo cinzento
Figura 4. (C): micrografia eletrônica de varredura (MEV) de tricomas glandulares desenvolvendo na superfície da bráctea; (D): o mesmo que (C), porém os ápices (cabeças) dos tricomas glandulares são cobertos com esporos de Penicillium sp.; (E): foco na cabeça do tricoma (porção secretora de glândulas) evidenciando esporos de Penicillium sp. e Cladosporium sp. aderidos à superfície da glândula do tricoma. (F): esporos e um conidióforo de Penicillium sp. na superfície do tricoma; (G): glândula colapsada de um tricoma maduro, do qual a resina foi expelida; (H): esporos de Aspergillus sp. aderidos à resina expelida das glândulas. Créditos de imagem: Punja & Li Ni, 2021.

O controle do mofo cinzento consiste principalmente da adoção das seguintes medidas: 

  • obtenção de sementes e clones sadios (sem inóculo); 
  • manutenção da faixa ideal de umidade relativa, principalmente nos estádios de floração;
  • eliminação de órgãos infectados; 
  • realizar limpezas periódicas do ambiente de cultivo (indoor); 
  • se o cultivo for indoor, manter uma boa ventilação da estufa, inclusive evitando adensamento excessivo de plantas; 
  • escolha de strains menos suscetíveis ao patógeno;  
  • utilização de fungicidas biológicos. Alguns exemplos de produtos comerciais são: Stargus®/Marrone Bio Innovations (Bacillus amyloliquefaciens estirpe F727) e Asperello®/Biobest (Trichoderma asperellum estirpe T34). É válido ressaltar que em testes de antagonismo (microrganismos benéficos suprimindo o desenvolvimento de patógenos) foi evidenciado que Gliocladium catenulatum também inibiu o crescimento de colônias de B. cinerea (Figura 5). 
Mofo cinzento
Figura 5. Efeito de tratamentos com fungicidas biológicos no desenvolvimento de Botrytis cinerea em flores de cannabis. Os biofungicidas foram aplicados 48 h antes da inoculação com o patógeno e as avaliações foram realizadas 7 dias após as pulverizações. (A): tratamento controle mostrando flores com grande massa micelial de B. cinerea; (B): flores tratadas com Trichoderma asperellum; (C): flores tratadas com Bacillus amyloliquefaciens; (D): flores tratadas com Gliocladium catenulatum; (E): esporulação de G. catenulatum (microrganismo benéfico) em flores tratadas (após 10 dias); (F e G): recuperação de colônias de G. catenulatum de uma amostra oriunda de meristemas tratados de cannabis; (H): avaliações de severidade da doença com o tratamento controle (testemunha) e com os biofungicidas Prestop® (Gliocladium catenulatum estirpe J1446), Asperello® (Trichoderma asperellum estirpe T34) e Stargus® (Bacillus amyloliquefaciens estirpe F727), onde é possível observar que os três tratamentos com biofungicidas reduziram significativamente a severidade da doença. Créditos de imagem: Punja & Li Ni, 2021. 

Confira mais dicas sobre cultivo de Cannabis no nosso canal do YouTube!

Referências Bibliográficas

GARFINKEL A.R. (2020) Three Botrytis species found causing gray mold on industrial hemp (Cannabis sativa) in Oregon. Plant Dis. 104:2026.

GARFINKEL A.R. (2021) The history of Botrytis taxonomy, the rise of phylogenetics, and the implications for species recognition. Phytopathology. 111: P. 437 – 454. 

HAUSBECK M.K, PENNYPACKER S.P. (1991) Influence of grower activity on concentrations of airborne conidia of Botrytis cinerea among geranium cuttings. Plant Dis. 75: P. 1236 – 1243.

KOZHAR O., LARSEN M.M., GRÜNWALD N.J., PEEVER T.L. (2020) Fungal evolution in anthropogenic environments: Botrytis cinerea populations infecting small fruit hosts in the Pacific Northwest rapidly adapt to human induced selection pressures. Appl Environ Microbiol. 86: e029, P. 08 – 19.

LATORRE B.A., KARINA E.K., FERRADA E.E. (2015) Gray mold caused by Botrytis cinerea limits grape production in Chile Facultad de Agronomía e Ingeniería Forestal, Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile. Cien. Inv. Agr. 42(3):  P. 305 – 330.

PUNJA Z.K. (2018) Flower and foliage-infecting pathogens of marijuana (Cannabis sativa L.) plants. Can J Plant Pathol. 40: P. 514 – 527.

PUNJA Z.K. (2021) The diverse mycoflora present on dried cannabis (Cannabis sativa L.) inflorescences in commercial production. Canadian Journal Plant Pathology. 43: P. 88 – 100.

PUNJA Z.K., COLLYER D., SCOTT C., LUNG S., HOLMES J., SUTTON D. (2019) Pathogens and molds affecting production and quality of Cannabis sativa L. Front Plant Sci. 17:1120.

PUNJA Z.K., LI N.I (2021) The bud rot pathogens infecting cannabis (Cannabis sativa L., marijuana) inflorescences: symptomology, species identification, pathogenicity and biological control, Canadian Journal of Plant Pathology, PP: 29

STAATS M., VAN BAARLEN P, JAL V.K. (2005) Molecular phylogeny of the plant pathogenic genus Botrytis and the evolution of host specificity. Mol Biol Evol. 22: P.333 – 346.

Deixar uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *