Hermafroditismo em plantas de Cannabis sativa

Hermafroditismo em plantas de Cannabis sativa” por Augusto Grower e Fernando Santiago

A Cannabis sativa é uma planta com característica dióica, apresentando plantas unicamente femininas (estrutura reprodutiva: gineceu/pistilos) e unicamente masculinas (estrutura reprodutiva: androceu/anteras) (Figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8). 

Porém, em alguns casos particulares, pode ocorrer o hermafroditismo, que é os dois sexos na mesma planta, com a presença concomitante de flores femininas e masculinas. Dependendo de algumas condições, as plantas fêmeas podem se tornar hermafroditas devido a estresses ou até mesmo ocorrer de forma “natural”. 

Figura 1. Plantas macho e fêmea de Cannabis sativa. (A): planta macho; (B): planta fêmea. Geralmente, as plantas macho possuem uma maior altura de planta (facilitar a dispersão de pólen), porém pode ocorrer da planta fêmea ser mais alta, conforme imagem. Ancestralidade da Strain Blueberry (80% Indica): DJ Short ® (breeder/melhorista). A strain foi melhorada (adaptada) de forma autoral para a região edafoclimática 304. Créditos de imagem: Augusto Grower & Fernando F, S (2022).
Hermafroditismo
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Figuras 2 e 3. (A) e (B): Planta fêmea de Cannabis sativa, evidenciando a formação de pistilos (ainda esbranquiçados). Ancestralidade da Strain Blueberry (80% Indica): DJ Short ® (breeder/melhorista). A strain foi melhorada (adaptada) de forma autoral para a região edafoclimática 304. Créditos de imagem: Augusto Grower & Fernando F, S (2022).
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Figura 4. Planta fêmea de Cannabis sativa apresentando pistilos com coloração branca (início de maturação da inflorescência) e alguns na coloração alaranjada (maturação mais avançada da inflorescência). É comum a planta apresentar pistilos maturando de forma alternada, pois as inflorescências são múltiplas, nesse sentido a planta pode estar com flores mais maturadas do que outras.
Hermafroditismo
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Figuras 5, 6 e 7. (A), (B) e (C). Planta macho de Cannabis sativa. É possível observar como as inflorescências são diferentes das plantas fêmeas, onde nos machos, há a presença de sacos de pólen (anteras). Ancestralidade da Strain Blueberry (80% Indica): DJ Short ® (breeder/melhorista). A strain foi melhorada (adaptada) de forma autoral para a região edafoclimática 304. Créditos de imagem: Augusto Grower & Fernando F, S (2022).
Figura 8. Planta masculina de Cannabis sativa. É possível observar as anteras (sacos com grãos de pólen). Geralmente as plantas machos apresentam um alongamento maior do caule, gerando plantas mais altas do que as fêmeas, pois dessa forma a dispersão de pólen se torna mais ampla, devido a altura. Créditos de imagem: Ed. Rosenthal.
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Figuras 9 e 10. (A) e (B): Planta masculina com anteras abertas liberando grãos de pólen, que são disseminados pelo vento, chegando aos estigmas/pistilos das plantas fêmeas (polinização). Ancestralidade da Strain Blueberry (80% Indica): DJ Short ® (breeder/melhorista). A strain foi melhorada (adaptada) de forma autoral para a região edafoclimática 304. Créditos de imagem: Augusto Grower & Fernando F, S (2022).
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Figura 11. Planta masculina com anteras abertas, disseminando grãos de pólen.
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Figura 12. Contraste entre pistilos (flor feminina – presença de estruturas serrilhadas) e anteras (flor masculina). (A, B): pistilos; C: antera. Créditos de imagem: Punja & Holmes.

Hermafroditismo em plantas de Cannabis sativa

Em casos específicos de genética, a própria linhagem pode carregar uma tendência natural ao hermafroditismo, podendo haver a expressão de genes envolvidos nesse fenótipo (dois sexos presentes na mesma planta).

O hermafroditismo ocorrendo de forma “natural” é bastante comum nas linhagens oriundas de “prensado”, justamente por não existir um controle adequado das características genéticas, como a qualidade dos cruzamentos anteriores. Dessa forma, pode ocorrer o aparecimento de plantas hermafroditas, sem necessariamente a presença de algum estresse externo a planta.

No entanto, cultivadores mais experientes e tecnificados utilizam linhagens de bancos de sementes conceituados, o que gera conhecimento das características das strains (ciclo em dias, sub-espécies,  exigência nutricional, altura de planta, produtividade, linhagens parentais, perfil fitoquímico, entre outras).

Em alguns casos, os próprios cultivadores realizam os cruzamentos com as genéticas, conhecendo previamente as linhagens e até mesmo estabilizando certas características desejáveis, através de sucessivos cruzamentos. Nesse perfil, a indução do hermafroditismo pode ocorrer por estresses, com a finalidade de produção de sementes feminizadas (sementes que darão origem a plantas femininas, devido ao gameta sexual do pólen ser originalmente feminino) (Figura 13). 

Hermafroditismo
Figura 13. Planta hermafrodita de C. sativa. É possível observar a presença de flores femininas (gineceu – pistilos) e flores masculinas (androceu/antera – sacos com grãos de pólen). Créditos de imagem: Ed Rosenthal.

Os principais estresses que podem gerar plantas hermafroditas são: 

  • Estresse térmico: temperaturas baixas ou altas; 
  • Estresse por luz: alteração do regime de fotoperíodo; 
  • Estresse hídrico: especialmente déficit de água por alguns dias; 
  • Estresse químico: utilização de prata coloidal ou tiossulfato de prata (através de aplicações/sprays diretamente onde deseja a inversão de flores) (Figura 14).   
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Figura 14. Prata coloidal. Amplamente utilizada em diferentes terapias humanas, também pode ser utilizada em plantas, mais especificamente para a indução de hermafroditismo em C. sativa. A concentração ideal para indução de plantas hermafroditas é de 15ppm – 40ppm.
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Figura 15. Plantas com hermafroditismo. É possível observar a presença de anteras (sacos de pólen) ao redor de flores femininas (pistilos). (A) Formação de anteras no cálice de flores femininas; (B, C) Algumas anteras sendo formadas dentro de cálices de flores femininas com pistilos amarronzados; (D) Produção e início de liberação de pólen pelas anteras. * A strain utilizada foi Moby Dick/Dinafem Seeds (70% Sativa / 30% Indica). Crédtios de imagem: Punja & Holmes.
Hermafroditismo
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Figura 16. Plantas com hermafroditismo acentuado. (A): Início de formação de flores masculinas (androceu/anteras) em meio a cálices com pistilos (flor feminina); (B, C, D): Estágios mais avançados da produção de anteras; (E, F): Close da “massa” de anteras, que quase substitui totalmente as flores femininas; (F) evidenciação da morfologia das anteras, que visualmente tem formato de banana. *A evolução de A-F ocorreu ao longo de 3 semanas. Crédtios de imagem: Punja & Holmes.

Alguns aspectos importantes sobre o hermafroditismo e sementes feminizadas são: 

  • Cada genética responde de forma diferente a indução de estresse. Portanto, conhecer qual o tipo de estresse específico para cada strain é fundamental; 
  • A própria aproximação da planta a senescência/fim do ciclo (morte) pode causar o hermafroditismo, se trata de uma resposta a manutenção da linhagem, onde a planta gera mecanismos para auto-fecundar e gerar descendentes; 
  • Caso o cultivador deixe o ciclo de uma planta hermafrodita ser completado, ela promoverá a autofecundação, produzindo sementes. Inclusive, a planta hermafrodita poderá “contaminar” o cultivo indoor ou outdoor com a disseminação de pólen para outras plantas, que reverterá o processo fisiológico de produção de flores para a produção de sementes.  
  • Muitos cultivadores induzem o hermafroditismo através de estresses para a produção de sementes feminizadas, pois um grande objetivo é manejar e produzir plantas femininas, devido à presença do componente psicotrópico THC (tetrahidrocannabinol); 
  • As sementes regulares possuem característica de cruzamento/cross entre uma planta masculina (doadora de pólen) com uma feminina (receptora de pólen), onde as sementes carregarão cromossomos sexuais masculinos ou femininos (par de cromossomos XY ou XX), dessa forma a probabilidade de plantas fêmeas e machos serão de 50 – 50%; 
  • As sementes feminizadas possuem característica de cruzamento/cross entre uma planta hermafrodita/anteriormente fêmea (doadora de pólen) com outra planta feminina (receptora de pólen), onde as sementes carregarão apenas cromossomos sexuais femininos (par de cromossomos XX), pois as duas plantas participantes do cruzamento são originalmente femininas. Dessa forma a probabilidade de plantas fêmeas é próxima a 99%; 
  • A polinização das plantas deve ocorrer no estádio adequado, normalmente na semana 2 ou 3 da floração;  
  • Plantas fecundadas com pólen originado de plantas hermafroditas não gerarão descendentes hermafroditas e sim plantas femininas. Porém, se a própria linhagem possui característica de descendência para o hermafroditismo, como uma expressão da própria genética (comum em sementes de “prensado”), pode ocorrer das sementes gerarem plantas hermafroditas naturalmente;
  • Fica ao critério do cultivador polinizar grande parte das inflorescências da outra planta feminina ou polinizar apenas o terço inferior, onde a mesma planta continuará produzindo flores na parte superior e gerando produção de sementes na parte inferior. É válido ressaltar que ao promover a produção de sementes (mesmo que parcial), a produção de flores e o perfil fitoquímico/potência (canabinóides, terpenos e outros compostos) não terá a mesma qualidade de um cultivo exclusivo para produção de flores (Cultivo Sensimilla).

Referências Bibliográficas

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